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02 Jun 2023
LITERATURA

O que é literatura e para que serve?

A literatura está presente em todas as civilizações, das mais antigas tribos até no cotidiano das grandes cidades contemporâneas. É um importante elemento da cultura e tem um papel crucial na transmissão dos saberes e no entretenimento humano.

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Nínive Daniela Guimarães Pignatari

Desde a Ilíada, passando pelas tragédias gregas e chegando à modernidade, no teatro, nos romances, nas poesias a arte literária sempre esteve entre nós e hoje se revela com forte influência na música, no cinema, nas artes plásticas.

O que é literatura?

Mas, afinal, o que é literatura? O que diferencia um texto literário de outro, não literário? Conceituar a palavra literatura não é tarefa fácil. Muitos teóricos se debruçaram sobre esse tema ao longo dos séculos sem encontrar uma resposta definitiva. Embora haja muita controvérsia sobre a questão, alguns consensos podem ser destacados.
Em sentido estrito, a palavra literatura tem suas origens no latim littera (letra).  É uma das manifestações artísticas do ser humano, ao lado da música, dança, teatro, escultura, arquitetura, pintura dentre outras. 
Aristóteles (384 e 322 a.C.) nos legou a primeira tentativa definição de literatura. Para ele, trata-se de uma imitação ou representação da realidade mediante as palavras. Com o passar dos séculos, definir literatura ficou ainda mais complexo, pois cada civilização, cultura e época têm critérios e valores próprios para definir se uma obra pode ou não ser considerada arte literária.
Mesmo assim, podemos extrair de toda a discussão um consenso: literatura é toda manifestação de linguagem que tem como uma das finalidades a expressão estética. O que torna um texto literário não é o conteúdo ou a beleza do assunto, mas a função poética da linguagem que predomina quando a intenção do emissor está voltada para a própria elaboração da mensagem. Na literatura, a preocupação do autor recai mais sobre a forma, a estrutura da composição, os recursos retóricos, as figuras de linguagem, a combinação entre os termos, o ritmo das frases etc.  
Desse modo, na literatura, as palavras não são escolhidas pelo que significam como num livro didático ou numa notícia de jornal. Num poema ou num conto literário, por exemplo, as palavras não podem ser substituídas por sinônimos sem prejudicar a composição, pois, além do significado, cada elemento é minuciosamente selecionado para que o resultado seja esteticamente notável, perfeito, considerado arte. 
Podemos ver, assim, que a literatura é um discurso que não pretende apenas comunicar algo, mas principalmente encontrar a forma ideal de dizer, sendo essa bela o bastante para envolver o leitor em um nível de percepção sensível e profundo, emocionando, espantando e fazendo refletir. Assim como a pintura é a arte produzida a partir das formas e cores (tintas), a literatura é a arte produzida com as palavras. 

 

Conhecer a realidade por meio da ficção

Trata-se de uma manifestação artística baseada, na maioria das vezes, em ficção (invenção) que pode se manifestar em forma de prosa (narrativa), drama (teatro) ou verso (poesia) e serve principalmente para provocar prazer estético. Justamente por ser ficcional, inventada, serve, ainda, para satisfazer a necessidade universal de fabulação e de fantasia inerente ao ser humano, equilibrando as forças psíquicas que atuam sobre ele, promovendo a descarga de emoções e a depuração dos sentimentos. 
Mas, embora o texto literário seja ficcional, é também um caminho importante para conhecer a realidade. Parece contraditório, mas não é. A literatura promove um conhecimento mais profundo e autêntico do ser humano e do mundo, pois os personagens, justamente por não existirem, podem ser um registro mais verdadeiro do ser humano expondo fragilidades, fantasias, medos e desejos. Por isso mesmo, a leitura de uma poesia, de um conto, de uma peça ficcional é capaz de ensinar mais sobre a realidade humana do que um documentário realista ou uma notícia. A literatura mostra o homem como ele é em profundidade e sem subterfúgios, e essa experiência pode transformar percepções e promover o autoconhecimento em quem lê.  

 

A literatura humaniza

Mas como isso ocorre? A literatura humaniza, pois faz o leitor viver outras vidas: as vidas das personagens com as quais terá identificação e empatia ao longo da leitura.  Assim, a ficção, pelo modo como o narrador conta (a partir do filtro do olhar do artista), permite que o leitor se aproxime da personagem, focalizando seus pensamentos e sentimentos. A arte permite ao leitor ver o mundo real a partir do olhar do outro, sentir como se fosse uma pessoa diferente. A personagem, embora seja uma pessoa de papel, inexistente na realidade, conduz a uma visão nova sobre a realidade. Isso ocorre a partir das astúcias do narrador, do modo de contar e de fazer o leitor se aproximar dele na narrativa, entregar-se ao enredo assumindo novas perspectivas e ideologias. O narrador, a partir de suas estratégias (como uma focalização interna ou da onisciência), pode, por exemplo, criar no leitor uma intimidade profunda com uma personagem do texto, descrevendo como ela se sente, vive e pensa. Aquele ser imaginário, a partir das escolhas da enunciação (feitas pelo narrador), cria no leitor diferentes efeitos de simpatia, piedade, amor, raiva, enfim, sensibiliza para a existência do outro, de outro modo de ser, pensar e existir. Daí seu valor crucial para a formação plena do homem. 
Assim, neste mundo marcado pelos desencontros, pela polarização radical das ideologias, pela intolerância em todos os âmbitos, a literatura se torna ainda mais importante do que sempre foi. O leitor literário é capaz de ir além de si mesmo, se multiplicar, viver outras vidas e experimentar o mundo com o olhar do outro. Pode compreender, se compadecer das dores alheias e amar o diferente num exercício fundamental de alteridade e humanização. O leitor, segundo Candido (2012), por meio da literatura, pode ser nivelado à personagem, vivendo a humanidade própria do outro e incorporando à sua experiência humana uma outra visão da realidade. 

 

Referência:
CANDIDO, A. A literatura e a formação do homem. Remate de Males, Campinas, SP, 2012. DOI: 10.20396/remate.v0i0.8635992. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/remate/article/view/8635992. Acesso em: 1º jun. 2023.